sábado, 16 de julho de 2016

Uma arte nada fácil


"Às vezes vejo pessoas que se seguram em si mesmas. Elas acham que conseguem soltar tudo. Mas seus ombros caídos mostram que não é bem assim, pois elas continuam presas, interiormente. Às vezes é preciso muito tempo até que elas realmente consigam soltar as coisas. "Soltar é uma arte libertadora. Segurar as coisas pode nos prender e criar bloqueios em nós. Preciso soltar as coisas às quais eu me apeguei. Enquanto considerei esse fato uma perda para mim, fui infeliz. Mas quando consegui encara-lo sob o aspecto de que a vida é libertada quando se morre, e também quando se soltam as coisas, senti uma profunda paz de espírito". Rabindranath Tagore, que formulou essa opinião, sabe que quando nos apegamos muito a uma coisa tornamo-nos incapazes de agir. Quando queremos uma coisa com muita voracidade, ficamos presos. Nossas mãos ficam amarradas. Por seu lado, soltar é um ato de libertação interior.
De fato, às vezes pode ser muito difícil soltar, e a serenidade é uma arte  que não cai no nosso colo. Uma arte precisa ser aprendida. Frequentemente isso não é muito fácil - e muito menos ainda para os jovens. Pode soar um pouco peculiar o fato de termos de fazer algo pela serenidade. Mas não é um fazer, porém um deixar. Justamente, a verdadeira arte é exercitar o "deixar" no "fazer". Eu desejo que justamente aquelas pessoas que têm muito a fazer aprendam essa arte. Ela consiste em deixar algo simplesmente acontecer. Aquilo que fazemos contrariados não nos trará felicidade. A pessoa com quem tudo acontece serenamente admite melhor as coisas. Ela não vai se sentir contrariada, mas vai deixar derreter na língua o que aceitou. E vai se alegrar com isso. [...].
Soltar as coisas implica também em libertar-se das próprias fantasias de grandeza. Muitas pessoas são extremamente infelizes porque se apegam às ilusões sobre si mesmas. Elas se apegam ao ideal de serem importantes, de serem as melhores pessoas, mais espiritualizadas, mais inteligentes. Giuseppe Roncalli, mais tarde Papa João XXIII, provavelmente também conhecia essa experiência de se apegar às ilusões. Mas desenvolveu para si um programa contrário: "A consciência da minha insuficiência me mantém na simplicidade e evita que eu me torne ridículo". E numa outra ocasião ele fala consigo mesmo: "Giovanni, não se julgue tão importante!" Nessas frases sentimos uma humanidade redentora. De um ponto de vista externo ele tinha muita dignidade, mas não precisava se esforçar em preencher o ideal da serenidade e da simplicidade. O conhecimento da sua própria insuficiência levou-o por si só a essa simplicidade e clareza. Quem sabe de si e diz adeus as ilusões, está protegido do perigo de se tornar ridículo quando essas ilusões forem destruídas pelos outros".
 
GRÜN, Anselm. Deixe as preocupações de lado e viva em harmonia. 2. ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 2010. p. 55-59.
 
 
 


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